Publicação: 10/03/2023
Acordo histórico para a conservação da biodiversidade em alto-mar pode ajudar meta de ter 30% do oceano protegido

 

Crédito: Unsplash/Thomas Kelley

 

Depois de 20 anos de negociações, o tratado sobre a conservação e o uso sustentável da biodiversidade marinha além da jurisdição nacional (BBNJ, na sigla em inglês), ou Tratado do Alto-Mar, foi aprovado no sábado (04/03) na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York, Estados Unidos. O acordo cria uma estrutura legal que pode ajudar o mundo a alcançar a meta de ter 30% do oceano — e das terras — em áreas protegidas até 2030, objetivo estabelecido na última Conferência das Partes de Biodiversidade da ONU, realizada em dezembro de 2022 em Montreal, no CanadáDiplomatas e consultores brasileiros participaram ativamente das negociações e o texto final será submetido à adoção pelos Estados membros da ONU, em data a ser definida.

Cada país costeiro administra uma faixa de mar dentro do limite de 200 milhas náuticas (370) km a partir de sua costa, a chamada Zona Econômica Exclusiva, na qual tem prioridade para usar recursos naturais e é responsável pela gestão ambiental. Como o nome diz, o acordo, que está sob a estrutura jurídica da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, foca nas águas que estão além da jurisdição nacional, ou seja, que são responsabilidade de todos os países, e propõe mecanismos conjuntos para a conservação da biodiversidade nesta área comum, que corresponde à maior parte do oceano.

“Com o acordo fechado, uma Convenção das Partes [CoP] será criada, similar à que existe para o clima, e a comunidade científica terá papel fundamental nela”, observa Roberto de Pinho, analista em ciência e tecnologia da Coordenação-Geral de Ciências para Oceanoe Antártica (CGOA) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Ele destaca que representantes da comunidade científica integraram a delegação brasileira que participou das negociações finais.

A professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), Carina Oliveira,  integrou o grupo na condição de consultora. Ela foi indicada pelo MCTI por ser especialista em direito do mar. Segundo Oliveira, o Brasil foi central em diversas etapas das negociações desde as primeiras sessões, e coordenou de forma protagonista temas como o acesso e a repartição de benefícios da exploração dos recursos genéticos marinhos.

Oliveira destaca que o Brasil teve protagonismo na construção de pontes entre países em desenvolvimento e desenvolvidos. “No texto final, os países em desenvolvimento conquistaram bastante espaço, principalmente os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, ilhas do Caribe, Pacífico e Oceano Índico, que devem ser mais afetados pelas mudanças climáticas”, observa Oliveira, que é co-líder do Grupo de Pesquisa em Direito, Recursos Naturais e Sustentabilidade da UnB.

O acordo também converge com os objetivos da Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, a Década do Oceano, nos aspectos de valorização da cultura oceânica, por meio dos saberes e da relação da sociedade com o mar, e da valorização do conhecimento dos povos ancestrais. “Houve um esforço por equilíbrio entre a valorização do conhecimento científico formal e o das comunidades tradicionais”, afirma a pesquisadora da UnB. 

“Com a possibilidade de que o acordo facilite a meta de 30% de área oceânica preservada, podemos ter um oceano mais saudável e resiliente, um dos objetivos da Década do Oceano”, destaca o biólogo Ronaldo Christofoletti, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro do Comitê de Assessoramento da Década do Oceano, que no Brasil é coordenada pelo MCTI.

Referência para unificar legislação nacional  – Para o biólogo, o aumento de áreas protegidas pode trazer impactos em diversos níveis,   incluindo  as mudanças climáticas. “Garantir um oceano mais resiliente e saudável ajuda a frear os impactos climáticos extremos, como o que vimos recentemente no litoral de São Paulo. Eles [os fenômenos extremos] também são resultado da ação do oceano, que estava dois graus celsius acima da média para o período”, explica Christofoletti. “O oceano é a força para mudar isso. Se estiver saudável, menos aquecido, esses impactos podem ser atenuados”, avalia

Com papel cada vez mais relevante na agenda climática, o oceano tem sido uma pauta prioritária para o MCTI. Confira sobre as ações e investimentos aqui

Christofoletti observa que o modelo de negociação do Tratado de Alto-Mar pode servir de referência para o Brasil caminhar e unificar sua própria legislação marinha. “Temos o projeto da Lei do Mar [6969/2013] que precisa ser votado na Câmara dos Deputados e está parado há dez anos”, menciona

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Para se aprofundar sobre as negociações, confira o artigo publicado por Carina Oliveira e colegas “Crônica a respeito das negociações do futuro Tratado sobre a conservação e o uso sustentável da biodiversidade marinha além da jurisdição (BBNJ): destaques da 5ª ICG e desafios para a sua conclusão” na Revista de Direito Internacional.